Páginas

Mais um pouco de Pai (Por Milena)


"Não me cabe conceber nenhuma necessidade tão importante
durante a infância de uma pessoa que a necessidade de sentir-
se protegida por um pai." (Sigmund Freud).

Só faltou o "amada", Freud...
Você vai dizer que eu não deveria. Vai dizer que isso passa, que é

normal. E quem sabe, concordará que o assunto é complicado.

Quando eu era pequena, era uma das coisas que eu via mas não
dava importância. Quando se é criança, tem-se o privilégio de não
notar nem querer mudar o que se acha errado. Por mim eu ficaria lá
pra sempre. Só pra não chegar a ver coisas que me machucassem
tanto.

Com os próximos anos, tudo assumia uma explicação. Ou, se não
assumisse, tudo bem, eu comecei a ser questionadora das coisas
não faz tanto tempo assim. Viver conformada te dá outro privilégio,
que é o de conseguir virar as costas pros problemas sem ser
apunhalada por eles.

Aí eu cresci. Ou melhor, cheguei até aqui. E cada vez foi mais difícil
encarar tudo isso. E eu juro, bem que tentei regredir minhas idéias
quanto a isso, tentei camuflar, tentei entender...

E chega aquela semana difícil... As crises tinham passado, tudo
estava bem. Estava...! De repente, eu me pego vendo TV, ouvindo
rádio, e vendo a hipocrisia comandar meu mundo por meio de uma
palavrinha: pai...!

Acho que ninguém precisa ter aula de publicidade pra perceber o
quanto há de intenções comerciais aí. Assim como no dia das mães
e etc, disso você já sabe. É bonito, é simpático, mas já está tão
usado que você nem percebe mais o valor da mensagem: "seu pai é
seu amigo".

Eu percebo o valor. Percebo, discordo e fico triste.
Aliás, nada no mundo me deixa mais triste.

Sabe, a culpa não é dele. Ninguém nasce e cresce com a obrigação
de saber demonstrar sentimentos. Ainda acho que o bom senso
lidera, ainda acho que todas as cartas que escrevi duas vezes ao
ano mereciam um retorno. Ainda acho que eu deveria ganhar um
abraço dele nos outros 360 dias. E já não acho mais solução...

Eu cresci rodeada de carinho. Pelo lado materno, cresci vendo o
amor como a coisa mais importante, aquela base pra tudo. Já
expliquei, sou intensa, demonstro, amo no sentido prático. E nessas
horas me odeio por isso. Pelo menos porque se eu não fosse assim,
não esperaria o mesmo de outras pessoas, nem julgaria o
sentimento pelo tanto de palavras que ele traz.

Mas é o que eu sou, apesar da frieza dele. Não importa mais o que
achem, não importa o que é de fato. O que acontece é que aqui
dentro, a mágoa ultrapassou os limites do "suportável". E ao
contrário de antes, quando eu me machucava, agora prefiro encarar
de uma maneira mais radical. Jogar o jogo dele pode não doer tanto
assim.

Eu reconheço todos os seus valores. É um homem com um caráter
invejável, uma boa pessoa, honesta e sincera, que teve lá seus
motivos pra ser desconfiado da vida. De vez em quando é divertido,
cuida bem da família, nunca deixa faltar nada aqui. Pelo menos não
no sentido geral.

Sabem, odeio sentir isso...
Tanto porque eu o amo mais do que vocês podem imaginar.
E, se querem saber, a coisa que mais me inveja no mundo é ver um
pai conversando com sua filha e fazendo parte da vida dela. É vê-lo
se importanto, cuidando, fazendo carinho.

Há várias formas de demonstrar amor, e meu pai até tem a dele,
me direcionando e me deixando infinitamente agradecida por isso.
Me ensinou a encarar as partes complicadas da vida e ter
serenidade e paciência pra resolvê-las. Me ensinou a ter caráter, me
ensinou tantas coisas... só não ensinou sobre o amor.

Por quê ele é assim? Por que a vida o fez assim. Eu nunca fui uma
filha rebelde, nunca dei nada além dos pequenos motivos que os
filhos dão pros pais ficarem chateados, que passam logo depois.
Então fico sem entender essa distância dele. E sinto falta demais.

Neste ano não escrevi nada no dia dos pais. E não foi orgulho, foi
falta do que dizer.
Estou machucada e espero de coração que o filho que receba todo o
amor que eu não recebo sem motivos saiba valorizar isso e cuidar
do pai que tem.

Eu cheguei até aqui com o coração mais ferido do mundo, mas sem
saber nem querer fazer mais alguma coisa a respeito. Mas eu sei
que a vida tem seus caminhos e por mais que doa esperar, um dia
ele vai dizer que me ama, ou que gosta de mim. Ou pelo menos vai
conversar e ser mais carinhoso comigo.

Até lá eu faço da forma mais injusta e falo com estranhos sobre o
problema.
Escrever o que sinto, dizer a ele que o amo e ouvir um "tá" e
chorar sozinha só aumentaram a mágoa aqui.

Então só espero... E deixo marcado aqui que amo meu pai, da forma
mais triste e dolorosa possível...


(Milena Gouvêa - Arquivo 2005)

Nenhum comentário:

Postar um comentário