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CAGANDO E ANDANDO


.::. Não é por um amor medíocre, de poucas emoções e sentimentos quase nulos que as pessoas vivem a vida inteira, se instruem, se arrumam, se projetam e perdem grandes quantidades de tempo esperando, ansiando, imaginando. Não foi por uma cama qualquer, em qualquer lugar do mundo com qualquer pessoa que tivesse mais pêlos que eu no rosto que eu sonhei entregar aquele trequinho pulsante que fica dentro de nós, embaixo de ossos, mas os românticos cismam chamar de coração.



Você me chamava de coração, e eu achava lindo. Era lindo porque o seu coração era aquele fisiologicamente impossível, aquele que tem dois arquinhos em cima e uma pontinha embaixo, não aquele que eu aprendi certa vez na aula de biologia; aquele gosmento que se mexia involuntariamente dentro de mim. Era bonitinho ser chamada de coração porque pra alguém que sempre idealizou demais todas as verdades nojentas da natureza, o coração vermelhinho igual ao do danoninho era o ápice do romance, era quase compromisso eterno.



Sabe o que é engraçado? Eu nunca na minha vida fui daquele tipo de menininha retardadinha que só quis amorzinho chambinho, de mãozinhas dadas em looongos passeios pela rua ladrilhada com pedrinhas de brilhante. Definitivamente nunca tive vocação para "inha". Só que você chegou todo manso, de uma hora pra outra, e veio instalando dentro da minha boca uma vozinha forçada de criança que eu sempre abominei quando vi sair da boca de qualquer outra pessoa que fizesse parte de qualquer outro casal. Eu fui ficando boba demais pra toda a minha pompa de moderna e o meu disfarce mais perfeito caiu bem na sua frente junto com a minha vontade de não sentir vontade de ser bonitinha às vezes.



Mas é cômico não? Entra ano, sai ano e os finais pra todos e quaisquer começos meus nunca mudam. Nunca.



E aí pra não perder o fio da meada você também foi embora, assim, como todos e quaisquer outros. Como todos os outros você também têm aquela coisa da fisiologia masculina humana pendurada no meio das pernas; essas, que por sua vez fazem parte tanto da fisiologia feminina quanto da masculina. Você, como todos os outros, tinha a vírgula pendurada que impedia que qualquer continuidade sem interrupções acontecesse na frase. Não importa quanto tempo demore, a vírgula, inevitalvemente, uma hora nos leva ao ponto final.



A Marisa Monte disse uma vez: "O meu coração é um músculo involuntário e ele pulsa por você...", e quem sou eu pra discordar?



Então, discordar eu não discordo, mas o meu coração de chambinho pode pular o quanto ele quiser dentro dessa caixa toráxica em cima do meu diafragma; há uma coisa dentro da minha outra caixa -- a craniana -- que me diz que eu não devo ligar, e pra falar bem a verdade, eu estou cagando e andando pro bate-bate na caixa de baixo. E que me desculpem as pessoas que entendem melhor de biologia do que eu.

[Rani G.]

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